Pular para o conteúdo principal

Dá um tempo! (Parte 7 – Final)


É comprovado cientificamente que bêbados pobres têm mais sorte que bêbados ricos. Ora, nunca se ouviu falar na face da Terra a história de um pobre bêbado transeunte envolvido em um acidente de trânsito – não pelo fato de eles não dirigirem alcoolizados, mas sim por eles possuírem um sensor mais aguçado que o de tubarões brancos no quesito se esquivar de carros ao atravessar um avenida. Fato é que nossos recém-mega-afortunados embriagados conseguiram por milésimos de segundo chegar a tempo à parada de ônibus para pegar aquele que eles julgavam ser o último transporte público do dia e de suas vidas.

"Estudante", dizia a voz feminina gravada quando eles validaram suas passagens na roleta do ônibus. Se fosse realmente coerente com a condição daqueles usuários que de tanto correr transpiravam todo o uísque que beberam, tal voz diria "Estudante só no final do semestre", ou então simplesmente "Vagabundo". Porém ao ouvir aquele som referindo-se a eles, José acrescentou ao amigo:

– Você pretende continuar estudando? Meu pai me disse que uma mente sem estudos, mais cedo ou mais tarde faria qualquer rico ser pobre. Ele disse que era preciso eu terminar a faculdade.

– Pois diga ao seu pai – respondeu o alterado Marcelo – que com o dinheiro que iremos ter poderemos começar a construir e terminar a faculdades que quisermos em menos de 3 anos. Mais rápido, garanto, que isso que chamamos de curso de engenharia.

E assim gargalharam! Tão espalhafatosamente que chamaram a atenção das outras pessoas que esperavam outros ônibus ainda na parada. O motivo de tanto riso, obviamente, não era a péssima piada, tampouco a embriaguez. A razão de tanta graça, lógico, era a riqueza que tornava-lhes a vida cada vez mais risível.

Após cada qual descer em suas paradas e tomarem seus destinos, ainda trôpegos (a essa altura, mais de dinheiro do que de álcool) chegaram sãos e salvos a suas respectivas casas. Como era de se esperar, ambos entraram na internet, porém, decidiram que não queriam chamar atenção, afinal, não queriam amigos sangue-sugas nas suas colas, muito menos gente com más intenções em seus encalços. Então por isso, cada qual atualizou seu perfil com frases vagas, meramente aleatórias, sem qualquer referência aos prêmios que eles ganharam, como por exemplo:

"NãO qUeRo DiNhEiRo, Eu Só QuErO AmAr - SQN"
ou
"ViDa BoA! V1d4 L0k4!"
ou ainda
"Que porra é essa de que o sorteio da mega-sena foi fraudado e existam outros 108 mil ganhadores!? Alguém sabe de alguma notícia sobre isso? QUE LOUCO!"
ou melhor
Dá um tempo! 

FIM. 

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Tá.

Seu corpo tem a chave dos meus desejos. Seu beijo: língua na minha libido. Peito cheio de aspirações: que também me pira e inspira. Seu jeito, sua voz, seus segredos, seus sussurros, suas taras: tudo. Sem medos ou grilos de mim. Silêncio corrompido pelo seu gemido. Tudo agora tem sentidos: vai e vem. Sua carne boa, sem nervos, no ponto, suculenta. Obrigado, mas sem brigar comigo. Leve levo a sua cintura – que me aprisiona como um bambolê. Seu ciúme: minha alforria. Você talvez não saiba, mas eu sei onde você sente. Afinal, como você vai embora, algo fica pra sempre pra trás. Aliás, você não vai mais embora. Você virou minha pintura, quadro vivo na minha memória. Queria saber desenhar... mas pra quê? Se eu posso escrever sem pontuações as mais diversas versões de como você tá suas FR /sɥa/ verb second-person singular past historic of suer suer -uːə(ɹ) UK US noun Someone who sues; a suitor. suer FR /sɥe/ verb to sweat ...

Na cigarreira.

O vício sempre parece uma boa opção em algum momento. A gente nunca consegue ser invicto contra ele. Parece que ele, o vício, é a única solução que nos aceita e nos é impossível renegá-lo para sempre. A vontade contumaz fica lá, urdindo pela sua recaída, até que ela vence dessa vez (mais uma vez). Resiliência silenciada na calada da noite das respostas que tive que inventar. Aquele silêncio do estalar da pólvora pra retomar o fôlego. Sempre recaímos. Em uma hora ou outra inevitavelmente tropeçamos. É ilógico pensar que não recairíamos. Não é um Lucky Strike (golpe de sorte), sabemos disso. Mas continuamos jogando, afinal um gol contra os sete que já marcamos não nos fará perder a partida. Dois cigarros: um pra mim, um pra meu amor-próprio. Eu e ele tragamos, transamos e trazemos novos paradoxos pro velho cinzeiro. As cinzas dos pensamentos renascendo como fênix e morrendo – como fênix. Dois cigarros: um pra morte e outro pra vida. Medo e desejo brincando na corda bamba da distância. U...

Caminhos

Ainda me pergunto onde é a fronteira entre raiva e tristeza. Heranças da relação, promessas inescapavelmente fugitivas, mais um crime sem solução… Vários são os caminhos dessa longa estrada. Como as visões distorcidas da vida após a morte. Afinal, zumbis só se alimentam no imaginário. Mas o que é viver senão um passeio no mundo dos pensamentos? Viajo por entre memórias e projeções. Percebo o óbvio: só tenho esse presente. Uma bússola estática me navega desde o Norte até este Janeiro. Ela me aponta raivas e tristezas. Não somente as que vivi, mas sobretudo as que com prazer compartilhei. Eu me esforço muito para discernir quais sentidos — raiva ou tristeza — eu devo ou posso seguir. Entro na contramão de vez em quando. Atalhos da vida linear. Mudo de marcha e meu câmbio sempre me impulsiona ao exterior. Belos horizontes despontam novas experiências. Não só excrucia ou extermina o melhor de mim, mas também excita e exercita. Percebo o que a estrada sempre quis mostrar: o caminho a frente...