José foi correndo até a carteira para ver se o sagrado bilhete da Mega-sena estava lá. Ele já podia se sentir andando dentro de uma Ferrari amarela quando alcançou o objeto com seus anéis de ouro. Abriu-a.
— Cadê? Cadê? Cadê? Cadê? — palrou incessantemente enquanto perscrutava sua carteira. — Nããããoo!!!
Sim, ele lembrou que havia esquecido sobre a bandeja, junto às notas fiscais, o ingresso que lhe garantiria o diploma eterno de vagabundo. E agora o telefone tocava mais uma vez: o que dizer para Marcelo? José caiu em lágrimas.
— Marcelo... — gemeu José e travou em soluços.
— O que foi, José!? — disse instigando-se. — Ganhamos!? — falou Marcelo contagiando-se com o choro do amigo.
José não conseguia falar. Estava atônito! Por um instante sua vida era fácil, agora voltava a ser difícil, talvez mais difícil que antes: mais uma culpa monumental na sua história. As palavras dos dois lados da linha embargaram: José por tristeza, Marcelo de alegria. A calmaria cessou e um som nasal irrompeu pelo fone: era Marcelo com coriza em estado eufórico:
— ESTAMOS RICOS!!! ÊÊÊ!!! NÃO ACREDITO!!!
Pelo telefone dava para escutar a gritaria futebolística instaurada na casa de Marcelo. Contudo, as palavras conseguiram voltar aos poucos para José que gritou também, aos prantos:
— EU PERDI O BILHETE! — gritava como quem suplicava ao capataz para poupar-lhe a vida. — EU PERDI!
— Como é!? Calem a boca! — disse mudando o tom para a sua família que já se enrugava nas águas mornas de Cancun.
— Eu perdi o bilhete! — continuava berrando.
— Como assim, caralho!? — começava também a berrar.
— Eu perdi o bilhete!
— Eu já entendi! Procure direito! — tentou acalmar o amigo. — Já olhou na sua bolsa?
— Já, sim. — e finalmente cacarejou — Eu esqueci sobre a bandeja junto às notas fiscais do lanche que fizemos no shopping.
— Nããããoo!!!
Nesse instante José pôde ouvir o tamanho burburinho que se instalou na casa de Marcelo: era sua família enfim tecendo as teorias conspiratórias. O manjado “eu te avisei” finalmente veio à tona. Primeiro, o tio de Marcelo, que por acaso estava passando pela vizinhança e foi filar a bóia pela sétima vez na semana:
— Eu te avisei que ele iria dar um pé na sua bunda. É um paspalho mesmo!
— Processe-o! Você tem como provar que este prêmio também é seu: há as filmagens das câmeras de segurança do shopping — imiscuiu-se a irmã de Marcelo ao sentir a primeira onda do tsunami nas suas férias indonésias.
Sentimentos irascíveis agora afloravam no amigo que, de volta ao telefone, com um sotaque meio gangster vingativo, meio teletubbie fanhoso, falou:
— Eu não acredito nisso, José! — irou-se. — Você não está dizendo isso para me sacanear, não é?
Silêncio.
— FALA ALGUMA COISA, JOSÉ!!!
— Eu perdi o bilhete! — balbuciou o recém nariz entupido.
— Puta que pariu, caralho! — apregoou após os incitadores sermões avunculares e jogou o telefone nas mãos da mãe, que até então se mostrou a pessoa mais sensata e, por que não, desacreditada nessa estória toda de loteria. — Fale com ele, mamãe. Estou passando mal.
— Oi, meu filho. — disse aquela tenra voz em meio à profusão de palavras prostibulares daquele lar.
— Oi, tia Neide.
— Afinal, querido, o que houve? — acarinhou, o anjo que pariu o ser que mais falava palavrão por segundo no mundo.
— Eu perdi o bilhete — cantarolou mais uma vez o refrão.
— Tenha calma, coração. Beba um copo d’água — recomendou a voz celestial que saía pelos buracos do telefone.
Se aquela entonação lhe pedisse para voar do 14º andar de um prédio, ele obedeceria sem pestanejar. Batendo as asas e gorjeando! Porém, felizmente, não era o caso.
Então José foi até a geladeira em busca do elixir da paz. Mas, como um presente de Deus, ao lado da garrafa gelada estava o até então desaparecido bilhete.
(continua...)
hahahahahha
ResponderExcluirMuito bom
"sua família que já se enrugava nas águas mornas de Cancun."
Ri alto nessa parte
KKKKKKKKKKKKKKKK
ResponderExcluirMuito show eu e mainha rimos orrores aqui! bjinhus