Encostou-se num carro estacionado sobre a calçada. Não havia nada para fazer naquela noite de domingo. Aliás, havia. Dúzias de pessoas o faziam ali diante dele, no outro lado da rua. Ministério Grão da Vida. De um banner verde-limão saltavam aquelas três palavras pretas que nomeavam o lugar. "Brasileiro burocratiza até o céu".
Por instantes lembrou-se da sua mãe. Ela era daquelas obreiras que empurram a cabeça alheia, palra mensagens celestiais — ou seria só "qual é a palavra mesmo?" de uma conversa ordinária — e pula dizendo ser Deus passeando pela igreja. "Quanta pretensão", pensou.
Enquanto isso, a missionária começou a discorrer sobre seu floreio preferido: o dia em que o assaltante dispensou-lhe o despojo. E que Deus a teria coberto pela armadura divina. E que a partir de segunda a igreja se uniria numa campanha de oração — "e dízimo" — para que o Rei dos Ministérios da Morosidade Administrativa lhes reparassem a petição.
Um olhar o notou. Vinha da moça com o bebê no colo que chorava e, portanto, tinha de ficar na calçada para não desconcentrar Deus. E ele continuou a fisgá-lo. Era um olhar indescritível. "Não duvido nada que ela venha me convidar para entrar e escutar o culto de dentro do galpão". Como eu disse, era um olhar indizível: talvez só curiosidade ou pompa, ou ainda um olhar de reprimenda por ser tão jovem e estar fumando. "Ela deve estar querendo presenciar o meu arrebatamento e, enfim, ter sua história para contar no púpito". Mas não passaram de olhares.
Outra mulher virou-se para trás. Disse algo para a mulher dos olhares e esta devolveu o bebê malcriado que iria pro céu sem pecados se morresse. "É muito fácil se basear no improvável".
— Se vista-se da armadura de Deus!!! Só com essa armadura seus problemas... Cherê Berê Coisoloíla! Deus é poderoso! Ô Aleluia!, gritava a motivação do choro dos bebês.
Frente àquela teatralidade toda um lapso realmente celestial atinou na mente de alguém. "Deus é um baita psicólogo. Ele se regozija na sua submissão? Os ensinamentos bíblicos devem ser transmitidos sem a menor interferência. É uma sessão apenas entre Deus e você. Só entre o escrito e você. O livro sem sua inata poesia não é o mesmo."
— Acarinhar é diferente de passar a mão, sussurrou o garoto fumante.
Talvez o ladrão não a quis roubar porque ela era pobre. Pobre de espírito. Então percebeu que só o cigarro que não deixara de ser cigarro. Outro trago e outros olhares fizeram sua noite peremptoriamente cética. "Quem sabe a igreja da outra esquina...". Virou cristão.
Por instantes lembrou-se da sua mãe. Ela era daquelas obreiras que empurram a cabeça alheia, palra mensagens celestiais — ou seria só "qual é a palavra mesmo?" de uma conversa ordinária — e pula dizendo ser Deus passeando pela igreja. "Quanta pretensão", pensou.
Enquanto isso, a missionária começou a discorrer sobre seu floreio preferido: o dia em que o assaltante dispensou-lhe o despojo. E que Deus a teria coberto pela armadura divina. E que a partir de segunda a igreja se uniria numa campanha de oração — "e dízimo" — para que o Rei dos Ministérios da Morosidade Administrativa lhes reparassem a petição.
Um olhar o notou. Vinha da moça com o bebê no colo que chorava e, portanto, tinha de ficar na calçada para não desconcentrar Deus. E ele continuou a fisgá-lo. Era um olhar indescritível. "Não duvido nada que ela venha me convidar para entrar e escutar o culto de dentro do galpão". Como eu disse, era um olhar indizível: talvez só curiosidade ou pompa, ou ainda um olhar de reprimenda por ser tão jovem e estar fumando. "Ela deve estar querendo presenciar o meu arrebatamento e, enfim, ter sua história para contar no púpito". Mas não passaram de olhares.
Outra mulher virou-se para trás. Disse algo para a mulher dos olhares e esta devolveu o bebê malcriado que iria pro céu sem pecados se morresse. "É muito fácil se basear no improvável".
— Se vista-se da armadura de Deus!!! Só com essa armadura seus problemas... Cherê Berê Coisoloíla! Deus é poderoso! Ô Aleluia!, gritava a motivação do choro dos bebês.
Frente àquela teatralidade toda um lapso realmente celestial atinou na mente de alguém. "Deus é um baita psicólogo. Ele se regozija na sua submissão? Os ensinamentos bíblicos devem ser transmitidos sem a menor interferência. É uma sessão apenas entre Deus e você. Só entre o escrito e você. O livro sem sua inata poesia não é o mesmo."
— Acarinhar é diferente de passar a mão, sussurrou o garoto fumante.
Talvez o ladrão não a quis roubar porque ela era pobre. Pobre de espírito. Então percebeu que só o cigarro que não deixara de ser cigarro. Outro trago e outros olhares fizeram sua noite peremptoriamente cética. "Quem sabe a igreja da outra esquina...". Virou cristão.
Bob continua com uma escrita afiada.
ResponderExcluirParabéns doutor.