Hoje papai faria 96 anos. Ou seria 97? Quer dizer, é hoje? 26 de fevereiro... é, é hoje sim. Honestamente não quero ser como ele, mas a genética é fogo. Cidélia tem razão quando vem dizer que estou dando trabalho. Eu não o queria dar! Hoje, mais do que nunca vou tentar não ser meu pai. Contudo, ele não era só estorvo. O que sei de carro: das velas aos faróis, por exemplo, devo a ele. Por outro lado, não posso dizer o mesmo que todos os filhos dizem dos seus genitores quanto a austeridade. Era boemio. Punha arroz e feijão, mas esperava carne. Batia, eu acho, em mamãe.
Mamãe: Santa Erliete. O Senhor viu que ela era valiosa. Cuide bem dEle, mamãe. Sei que fazes muito por mim aí. Acho que o Senhor tirou-lhe cérebro e deu Alzheimer para só assim suportar o que a vida lhe propusera: filhos casados, filha falecida, viuvez... Santa Erliete!
Gozado... sempre depois de morto todo mundo vira Santo. Não que Santo deva ser gente viva. É muita hipocrisia. Aliás, é medo! Medo de que se desvende e lembrem-se das podridões em vida. Papai não era, nem nunca sequer tendeu a canonização. Se brincar aquele dá ordens pro encarnado.
Às vezes é bom não desmentir as pessoas. A gente termina acreditando na própria mentira. Cidélia pensa até hoje que chorei pela morte de papai. Por instantes eu mesmo acreditei. Como me seria estranho chorar no velório dele! Chorava por mamãe que chorava — como ela chegou a dizer — por tio Gilmar. Foi tocante.
Quanto a mim? Vão chorar ao me ver gelado? É capaz até de sorrirem e os foguetões alvorecerem o céu no processo da minha rejeição celestial; ao menos Gessália e Lívia pela pensão minha com a qual sempre sonharam, lacrimariam. Fico feliz quanto a isso, porque a duas pessoas o dinheiro me comprou a santidade.
Vou evitar falar disso hoje à mesa, afinal em afronta ao meu pai vou ser uma pessoa boa.
Que horas são? Acho que vou treinar mais como é morrer.
Mamãe: Santa Erliete. O Senhor viu que ela era valiosa. Cuide bem dEle, mamãe. Sei que fazes muito por mim aí. Acho que o Senhor tirou-lhe cérebro e deu Alzheimer para só assim suportar o que a vida lhe propusera: filhos casados, filha falecida, viuvez... Santa Erliete!
Gozado... sempre depois de morto todo mundo vira Santo. Não que Santo deva ser gente viva. É muita hipocrisia. Aliás, é medo! Medo de que se desvende e lembrem-se das podridões em vida. Papai não era, nem nunca sequer tendeu a canonização. Se brincar aquele dá ordens pro encarnado.
Às vezes é bom não desmentir as pessoas. A gente termina acreditando na própria mentira. Cidélia pensa até hoje que chorei pela morte de papai. Por instantes eu mesmo acreditei. Como me seria estranho chorar no velório dele! Chorava por mamãe que chorava — como ela chegou a dizer — por tio Gilmar. Foi tocante.
Quanto a mim? Vão chorar ao me ver gelado? É capaz até de sorrirem e os foguetões alvorecerem o céu no processo da minha rejeição celestial; ao menos Gessália e Lívia pela pensão minha com a qual sempre sonharam, lacrimariam. Fico feliz quanto a isso, porque a duas pessoas o dinheiro me comprou a santidade.
Vou evitar falar disso hoje à mesa, afinal em afronta ao meu pai vou ser uma pessoa boa.
Que horas são? Acho que vou treinar mais como é morrer.
"treinar mais como é morrer."
ResponderExcluiressa linha é sublime; não que as outras não sejam, mas esse é o apogeu - fácil.
=B