Foi-se como quem dorme bem. Não que lhe atribui a morte plácida, mas sim a morte simples. O ponto final da reticência que sua vida lentamente escrevia. Talvez estivesse contente afinal, contudo seu rosto era inexpressivo. Era intrigante porque o corpo estava todo contorcido. Parecia-se um feto com um rosto cor de geleia. Os olhos estufados alegavam nada além de que seu rosto coisa alguma avistava.
Conclui-se que a dor era só dor emancipada. Separada e impregnada no corpo, mas não na alma. Olhos de felicidade? Já não se havia brilho para afirmar. Quem sabe olhos de completude, porém não de dever cumprido: como foi dito: o ponto final da reticência: um fim da vida já terminada.
Mudou-se para aquela cova retangular um mês depois que sua mulher o dispensara. Passou o mês entre a vida familiar e a cova familiar numa pousada um andar acima de um boteco freqüentado por putas e velhacos viciados em craque. Experimentou craque e gays um dia, todavia se enfadou. Cansou-se porque não se viu fazendo algo realmente novo, motivacional, como em toda sua existência de relações.
Alimentava-se somente quando a víscera lhe estremecia. Tinha a dor para motivá-lo. A insuportável agonia da dor lhe tirava a vida e o pior é que lhe dava também, num compasso cujo ditador coração regia.
Acumulou-se três meses de aluguel atrasado e três meses de decomposição. Só descobriram-no quando o encanador do apartamento vizinho, que suspeitava de vazamento de gás de cozinha, observou por
— Um fuio?
— É: um buiaco na parede. Ói aí! Tá morto!
Foi-se um morto de inércia. Aliás, um troço de inércia: só é morto quem já viveu.
mas, se é inércia, devia ter continuado vivo. a morte é o fim da inércia de uma vida pra começar outra.
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