Pular para o conteúdo principal

Interjeições filosóficas

– Tudo pelo qual você passa é uma experiência exclusiva sua. Você não pode transferir essa sua sensação. Só você vai senti-la, por motivos, às vezes, não tão óbvios assim. E sendo essa uma coisa particular e intransferivelmente sua, é normal você não sabê-la definir direito. E tudo bem. Nós somos completos e nos bastamos.
– Hum...
– O que foi?
– Eu não consigo entender direito. Por exemplo, você fala que nós nos bastamos. Mas como você fez pra publicar seu livro sem ajuda de outros? Sem usar do convencimento para alguém revisá-lo, editá-lo, distribui-lo? Você precisou de outras pessoas. Você sozinho não se bastou para realizar isso. É como se sua teoria fosse bem falha na prática.
– Somos ensinados a pensar dessa forma, de que pessoas precisam ser convencidas para que realizemos os nosso desejos. Seja através de um simples pedido, seja pela forma de barganha (dinheiro ou troca de favores). Mas todas essas formas de se conseguir algo externo a você depende sim de outros para se existir. O que eu falo é sobre sua natureza interna: você não precisa de outro nem de coisas para estar bem consigo mesmo. Sua atitude é o que define o que você sente. Você delimita e também preenche sua vida com os momentos que lhe couberem usar. E é sobre isso: sobre a forma de ir preenchendo a vida, com momentos da nossa existência.
– Você fala umas... "old", viu!?
– Old?
– É, total!
– O que é "old"?
– Ah. Hahaha é uma gíria da nova geração. Quer dar o sentido de "óbvio". Você fala umas coisas que são óbvias!
– Hahaha! O fortuito encontro com jovens é muito útil! E pensar que eles farão do mundo um lugar mais livre me dá um certo conforto.
– O seu ostracismo não lhe permite ver os jovens?
– Você me acha fechado ao novo?
– E isso importa?
– Pra mim importa.
– E pra mim?
– Não tenho como saber.
– Pois é...
– Eu não me acho fechado ao novo. O novo é o agora. É inevitável não se adaptar a ele. O novo é cada novo segundo, não há com o que lutar ou se "pré"-ocupar, o novo vai ocupar no momento dele.
– Você acha que as pessoas vão pensar como você? Todas elas?
– Não. E eu não quero isso.
– Mas você sugere que as pessoas ajam como você diz. Elas precisam pensar, em alguns aspectos, em concordância com as suas linhas de raciocínio, não acha?
– Concordo em partes. Acredito que minhas palavras possam cruzar com uma ou outra pessoa e possa talvez direcioná-las na forma de agir. Mas há infinitas formas de levar a vida e a minha não é a melhor ou pior, é apenas uma delas.
– Como você acha que o futuro, feito por esses jovens, será feito de liberdade?
– Eu quero crer assim. Mas talvez seja desnecessário imputar ao mundo essa projeção. É só um desejo. É meu norte fazer tudo que me cabe para isso.
– E isso não implica que os outros pensem como você? Ou melhor, como você  mesmo diz: não implica que as pessoas "sejam direcionadas" para a direção que você defende para um mundo mais livre?
– O convencimento não faz parte da minha filosofia. Eu não preciso convencer ninguém para se ter um mundo mais livre.
– Mas tem milhares "convencendo" do contrário, de que o mundo deve ser cada vez mais encaixotado. Direcionando, inclusive, a existência a uma mera expectativa do "estômago-invisível", que se alimenta da liberdade tolhida.
– Não deve haver uma guerra de convencimentos. Eu proponho apenas sermos livres com algumas de nossas convicções.
– Você propõe, eles impõem. Eles têm mais poder. Você tem uma teoria e prática cheias de lacunas.
– Não é minha intenção convencer.
– E qual é sua intenção?
– Não tenho intenções.
– O que te motiva?
– Minha existência.
– Oxe, Osho!


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Liquidifica dor

Misturo tudo dentro. Ponho coisas doces, amargas e o saudoso sal. Todas as cores lindas do arco-íris. Às vezes queria ter um liquidificador na minha casa nova, mas me contentaria com uma luz difusa – por enquanto. Em quanto tempo tudo se decanta? Ou tanto faz já que tudo encanta? Finjo não importar. Ajusto a velocidade e me assusto com ela. Tudo vibra. Ponho meu bloco de manteiga na rua e bato mais um pouco essa história louca. Infelizmente o medo aparece. Medo de tudo. De tudo! E ele, o medo, desonera minha arte.  Aparta-me do nexo, apela-me ao sexo, aperta-me o plexo! É tanto tempo, é tanta coisa, é tanto tudo que me afugenta o nada. Um zunido me azucrina. Mas o nada é preciso! É precioso! Paro e reparo os líquidos ao redor do olho do corpo do oceano. Prefiro a calmaria do fundo. Quase me afogo no mundo. Lembro-me de que nada disso é real. Tudo não passa de um pesadelo. Pesares... e deleites fazem parte da receita. A pergunta que fica, na verdade, é se só nos resta aceitar que é mel

Visita surpresa

Eu não sabia aonde você tinha ido parar. Fazia tanto tempo que você não aparecia! Por um instante eu nem acreditei que fosse possível: você aqui de novo!? Eu não sabia se você estava morando no Ceará ou somente nas minhas expectativas.  Está chovendo. Você chega sem bater na porta, traz as roupas do varal e atravessa meu corredor. Invade todos os cômodos como inundação. Coloca uma música, equaliza o som e me faz dançar! Só sei dançar com você também. Pude sentir o seu perfume pela sala. Em meia-hora você mudou minha vida. Você acredita que vivo até hoje com a sua herança? Fiz seu café. Tapioca com leite de coco, se me lembro bem. Olhei seus olhos e eles revelavam uma tranquilidade cândida. Era como aquelas aparições angelicais que o povo de antigamente dizia ter. Suas feições eram serenas, um quase sorriso meio safado, meio transigente. Era lindo esse sorriso. Você já vai? Tudo bem. Obrigado pela visita. Eu estava mesmo morrendo de saudade! Volte sempre! Volte mais! Apareça, amor-própr

Modelo

Pessoas procuram modelos para se apegar. Não há nenhuma novidade nisso. Seguiria eu também o meu próprio modelo? Certa vez ouvi um sábio dizer que os loucos abrem caminhos que mais tarde serão percorridos pelos sábios. Mal sabia ele que mesmo se achando louco, ele, na verdade, já era um sábio por percorrer caminhos já previamente sabidos, trilhados. Seguiria ele também seu próprio modelo? Até onde é a autonomia daquele que diz que não segue modelos? Seria possível ainda haver novos caminhos a se descobrir? É por esquecer do óbvio que o trágico acontece. É por errar o caminho que uma estrada se tece. Talvez seja ímpar viver em par. Talvez casar não seja o caso. Talvez transar não seja um caso. Talvez uma carreira de sucesso não faça sentido nas ruas de Olinda. Talvez em São Paulo, faça. Talvez uma viagem pra Índia is not your thing . Talvez o anonimato lhe seja abominável. Morar no mato, ou na cidade, ou embaixo da ponte,  ou embaixo d'água, ou em outro planeta ou em outros... model