Pular para o conteúdo principal

A caminho.


A onda tornava a limpar seus pés cheios de areia da praia: a onda batia e toda aquela agonia do tato enlameado se dissolvia. Agora, a onda voltava e os pés já lavados, sufocados suspiravam por mais areia. E assim, o percurso continuava com pegadas recentes bem vívidas e pegadas longínquas meio apagadas entre o meio e o fim...

Talvez ele começasse a entender que o mister da caminhada não seja caminhar e sim, chegar. Ou talvez ele enfim descobrisse que na linha de chegada fosse tudo do mesmo jeito como na linha de partida e o importante, então, fosse o percurso percorrido: “os mais velhos dizem que de nada adiantam consequências sem causas, enquanto os mais novos bradam que de nada adiantam causas sem consequências”, pensava enquanto andava.

A cada nova baía, uma nova paisagem era descoberta, enquanto o mar continuava sempre lá, secando e molhando, soltando e puxando, descendo e enchendo, fazendo seu papel ora cruel, ora benévolo de consciência viva.

Enquanto andava, o andarilho não olhava pra trás e terminava por se arrepender de não ter visto a linda paisagem pela qual passou. Por outro lado, quando parava, ele se desesperava por querer sempre mais de outros lugares, por saber que há muito mais a ser descoberto. Não era um destino específico que ele queria alcançar, nem era a caminhada que lhe interessava. Era o desejo de saciar sua sina de procurar por algo que não existe.

“O novo pode horrorizar ou fascinar. O velho, preocupar e acolher.”

Ficando desse jeito num impasse insolúvel até que a onda tornava a limpar seus pés cheios de areia da praia. 

Comentários

  1. "o desejo de saciar sua sina de procurar por algo que não existe" ... tenho muito disto ...

    ResponderExcluir
  2. não quero comentar o texto. quero só falar que já estou com saudade.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Liquidifica dor

Misturo tudo dentro. Ponho coisas doces, amargas e o saudoso sal. Todas as cores lindas do arco-íris. Às vezes queria ter um liquidificador na minha casa nova, mas me contentaria com uma luz difusa – por enquanto. Em quanto tempo tudo se decanta? Ou tanto faz já que tudo encanta? Finjo não importar. Ajusto a velocidade e me assusto com ela. Tudo vibra. Ponho meu bloco de manteiga na rua e bato mais um pouco essa história louca. Infelizmente o medo aparece. Medo de tudo. De tudo! E ele, o medo, desonera minha arte.  Aparta-me do nexo, apela-me ao sexo, aperta-me o plexo! É tanto tempo, é tanta coisa, é tanto tudo que me afugenta o nada. Um zunido me azucrina. Mas o nada é preciso! É precioso! Paro e reparo os líquidos ao redor do olho do corpo do oceano. Prefiro a calmaria do fundo. Quase me afogo no mundo. Lembro-me de que nada disso é real. Tudo não passa de um pesadelo. Pesares... e deleites fazem parte da receita. A pergunta que fica, na verdade, é se só nos resta aceitar que é mel

Visita surpresa

Eu não sabia aonde você tinha ido parar. Fazia tanto tempo que você não aparecia! Por um instante eu nem acreditei que fosse possível: você aqui de novo!? Eu não sabia se você estava morando no Ceará ou somente nas minhas expectativas.  Está chovendo. Você chega sem bater na porta, traz as roupas do varal e atravessa meu corredor. Invade todos os cômodos como inundação. Coloca uma música, equaliza o som e me faz dançar! Só sei dançar com você também. Pude sentir o seu perfume pela sala. Em meia-hora você mudou minha vida. Você acredita que vivo até hoje com a sua herança? Fiz seu café. Tapioca com leite de coco, se me lembro bem. Olhei seus olhos e eles revelavam uma tranquilidade cândida. Era como aquelas aparições angelicais que o povo de antigamente dizia ter. Suas feições eram serenas, um quase sorriso meio safado, meio transigente. Era lindo esse sorriso. Você já vai? Tudo bem. Obrigado pela visita. Eu estava mesmo morrendo de saudade! Volte sempre! Volte mais! Apareça, amor-própr

Typo assim

Eu me afoguei em lágrimas que nunca chorei. E bebi da água que sempre evitei. Um Rio inunda minha cabeça. Mil igarapés me aconselham: vozes difusas me apontam decisões difíceis. Um jogo, uma competição, tudo se diz puta! Só eu e meus escritos me dão prazer. Um reencontro talvez me afague – e eu não me afogue na banalidade do ser. Eu tenho medo de não dar conta. Eu tenho medo da minha conta. Eu tenho medo de ser refém da minha conta. O medo me dá muitos presentes, mas está na hora de eu os negar! Tudo agora é uma obrigação: falsa liberdade. Você é obrigado a tudo: do respiro ao suspiro, de manter a paz, de evitar os Guerras. Os Dias não têm culpa de nada. Eles sim são presentes. Procuro dois pra lá e dois pra cá. Modelos, hoje, me nauseiam. Tenho medo de baleias, mas amaria sê-las – te entendo, Letícia. E admiro muito o seu trabalho. Toc, toc... Quem é? Sou eu. Vim aqui para lembrar você daquela sensação. Do toque suave do sol na pele nua. A entrega nunca antes vista na rua. A falta de