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Não chore, homem!

Que mundo é esse, vó, em que a gente tem que fingir que não sente nada pelo que o outro nos causa? Que mundo é esse onde a afeição é apedrejada e a apatia rejubilada? Onde estão os nossos semelhantes, vovó? Pra que se viver num mundo assim, vovó? Por que falar de amor virou algo tão censurável? A partir de quando esse mundo, vovó, se tornou um lugar tão horrível de se viver?

Quero voltar, quero fugir, quero sair daqui! Lugar qualquer onde sentir não seja um defeito e sim uma qualidade. Eu não mereço isso daqui, vó! Por que as pessoas se orgulham em ser opacas, se há tanto mais a se ver com a translucidez!? Essas pessoas estão magoadas? Quem foi capaz de fazer tanto mal a elas a ponto de as tornar assim, tão desumanas? Vovó, como a gente faz para desconstruir esse ciclo? Como convencer que atenção, respeito e afeto são mais valiosos do que insensibilidade, secura e empáfia? Vamos reverter essas pessoas, vovó!

Ai, vovó, acho que me atingiram também. E é tristeza. É tristeza que esse povo tem, vovó. Eles escondem a tristeza! Eles pensam que ser à prova de tristeza é o ideal e acabam petrificando o coração e consequentemente a vida deles e daqueles que o circundam. A sociedade não aceita deslizes. É inaceitável se sentir triste. É inaceitável se sentir magoado. Mágoas são reprováveis! Não se pode sentir mágoas: é ilegal para eles. Eles constróem a vida a partir disso: da desconstrução dos sentimentos. Quantas distopias, vovó, não falam da supressão do sentimento!? Todas praticamente.

Sentir, para esse sistema opressor, é desvantajoso. Tacam pás e mais pás de conteúdo mainstream para nos esquecermos de nós e aceitarmos esse mundo onde somos cada vez mais distantes, inatingíveis, insensíveis...

Eu não, vovó, fique tranquila! Vou viver com você aqui, além do horizonte, pra sempre, nessa bolha de amor que me cura de tanta tristeza absorvida desse mundo sem coração, dessas pessoas sem coração...

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