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Arritmia.

Não sei como é, nem sei como seria, tampouco como será. Só sei como foi. E que foi bom. E que foi ruim. E foi tudo.

Como eu e você: vítima e algoz, algoz e vítima, respectiva, inversa, reciprocamente. Eu faço mal a você, te incinero, te sugo, te exploro, te uso, te mato na unha e no fim te jogo fora. Você também faz o mesmo por mim, me envolve, me mal acostuma, me mima, me usa, me tira o fôlego, me apraz e no final me abandona. Completamos um ao outro com a ausência.

Às vezes acho que procuramos meios para não encararmos tantos finais. Fingimos que esquecemos de lidar com a ideia que o meio passou e que já estamos pra lá da metade do caminho (seja lá quão longa essa estrada for). Eu numa ponta, você na outra. Em direções opostas do mesmo verbo: ora eu aspiro, ora você expira, ora eu expiro, ora você aspira. Mas algo nos une. Há algo, mais forte, muito mais forte que eu e você, que nos liga, nos obriga, cria entre nós uma relação mutualista, dualista, masoquista.

Não sei até onde vai o seu poder sobre mim, muito menos o meu sobre você. Não sei nem discernir se o meu poder é seu, pertence a você, ou se o seu poder é meu, a mim pertence. Suas vontades, meus desejos, suas ânsias, minhas dúvidas. Sincronizados lado a lado com o receio e o prazer. Caminhamos com certezas. As incertezas deixamos para depois. E o depois eu não sei como é, nem como seria, nem como será. Apesar de imaginar. Só sei mesmo é como foi. E que foi bom. E que foi ruim. E foi-se tudo.

Antes fosse amor... mas é só cigarro. E mentiras.

Comentários

  1. Toda relação tem sempre um coeficiente de dependencia e co-dependencia, acredito nisto, os interesses, os desejos, os sonhos se alimentam e são alimentados...
    Adorei isto: "Não sei até onde vai o seu poder sobre mim, muito menos o meu sobre você. Não sei nem discernir se o meu poder é seu, pertence a você, ou se o seu poder é meu, a mim pertence"

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