Pular para o conteúdo principal

Oração ao ego.

Minha angústia fazia sentido. Eu estava certo no que previa e você me fazia crer que não. Você me enclausurava as prospecções, você me punia pelas dúvidas, me imbuía de uma culpa intangível por eu pensar assim. E no fim eu estava certo! Nada nem ninguém vai desmentir isso! Não importa quantos argumentos você use, frente aos fatos não há controvérsia!

Não pense que eu vou bancar de vítima ou de algoz. Não tenho paciência para esse joguinho que você dizia ser eu que inventava. Não tenho estômago para tanta hipocrisia. Dói, de verdade, a barriga quando penso nesse erro que foi acreditar em você quando você dizia que eu estava errado. Eu fui estúpido pela minha empatia, pela minha crença pueril de que tudo que eu pensava estava mesmo errado, era invenção.
Agora vejo que eu não era um lunático por ver seu desejo cruel em me ver mal! Só agora percebo o quanto tudo aquilo que eu falava era verdade e que você no fundo sabia que era verdade, mas me negava pelo simples prazer de me ver desesperado – fingindo não ficar desesperado tal e qual. Eu não inventei nada disso! Na verdade, tentei até me proteger. Procurei o amparo certo do mar, pois sabia o que viria daí. Sempre soube.

Não foram as circunstâncias, ou algo que eu fiz que lhe fizeram ser o que você é. A situação não faz o ladrão. O ladrão, mesmo que nunca tenha cometido um crime antes, sempre teve em si desejo de roubar. E o que eu quis e sempre quis foi não negar os meus desejos. Pois meus desejos sempre fizeram parte de mim, daquilo que eu sou: sem receios de dizer o que penso, sem medo de sentir o que sinto, sem culpa de ser quem eu quero ser.

Sua incansável retórica me venceu pelo cansaço e findei por acreditar que estava errado em pensar esses “absurdos” tão normais. E hoje, apesar de plausível a ideia de lhe ter ódio, acredito que sentir algum sentimento por você seria repetir o erro. Portanto, não quero nada, absolutamente nada, de você. Infelizmente não posso apagar da memória todos os momentos em que você me jogou a culpa do mundo inteiro por eu ser assim, mas posso, daqui pra frente, apagar tudo que venha de você e dos seus semelhantes.

Nunca lhe entregarei esta carta, pois dar-lhe é dizer indiretamente que você significa algo. E a partir do ponto final você não será mais nada. 

Sou eu que rezo por mim.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Tá.

Seu corpo tem a chave dos meus desejos. Seu beijo: língua na minha libido. Peito cheio de aspirações: que também me pira e inspira. Seu jeito, sua voz, seus segredos, seus sussurros, suas taras: tudo. Sem medos ou grilos de mim. Silêncio corrompido pelo seu gemido. Tudo agora tem sentidos: vai e vem. Sua carne boa, sem nervos, no ponto, suculenta. Obrigado, mas sem brigar comigo. Leve levo a sua cintura – que me aprisiona como um bambolê. Seu ciúme: minha alforria. Você talvez não saiba, mas eu sei onde você sente. Afinal, como você vai embora, algo fica pra sempre pra trás. Aliás, você não vai mais embora. Você virou minha pintura, quadro vivo na minha memória. Queria saber desenhar... mas pra quê? Se eu posso escrever sem pontuações as mais diversas versões de como você tá suas FR /sɥa/ verb second-person singular past historic of suer suer -uːə(ɹ) UK US noun Someone who sues; a suitor. suer FR /sɥe/ verb to sweat ...

Meu Herói,

Se afastei você de mim, não foi por maldade. Quis te proteger de me proteger. Os segredos, os medos e os desejos imprecisos. As saudades, as verdades e os sentimentos encobertos. Clássicos elementos de um drama perverso. E você não é isso. Pelo contrário, você é muito mais que isso! Seu gênero é aventura, é descoberta! Mais um herói se salva da minha teia. Torço por você enquanto você se contorce por mim. Mais uma vez aquela música. Procuro na rua o cheiro da minha danação. Fragrâncias similares me apontam a direção da culpa. E aquela dor que gosto de sentir, feliz e infelizmente, já não vai fazendo tanto sentido. Certamente meu herói me salvou do meu maior vilão, meu eu-zumbi. Hoje percebo com cada vez mais clareza a inútil diferença entre raiva e tristeza. Aprendo diariamente sobre os meus sentimentos, à medida que me afasto de mim. Eu me exploro. Descubro-me através dos ares, lares e pesares. E foi aí, inclusive, que encontrei você, meu herói. Entre as nuvens – do cabelo aos pés. En...

Caminhos

Ainda me pergunto onde é a fronteira entre raiva e tristeza. Heranças da relação, promessas inescapavelmente fugitivas, mais um crime sem solução… Vários são os caminhos dessa longa estrada. Como as visões distorcidas da vida após a morte. Afinal, zumbis só se alimentam no imaginário. Mas o que é viver senão um passeio no mundo dos pensamentos? Viajo por entre memórias e projeções. Percebo o óbvio: só tenho esse presente. Uma bússola estática me navega desde o Norte até este Janeiro. Ela me aponta raivas e tristezas. Não somente as que vivi, mas sobretudo as que com prazer compartilhei. Eu me esforço muito para discernir quais sentidos — raiva ou tristeza — eu devo ou posso seguir. Entro na contramão de vez em quando. Atalhos da vida linear. Mudo de marcha e meu câmbio sempre me impulsiona ao exterior. Belos horizontes despontam novas experiências. Não só excrucia ou extermina o melhor de mim, mas também excita e exercita. Percebo o que a estrada sempre quis mostrar: o caminho a frente...