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Chá verde.



– Eu queria me matar.
– Ora, diga-me uma novidade.
– Não paro de pensar nisso.
– E qual o problema em pensar nisso?
– O problema é que eu amo muitas coisas que deixaria aqui. Muitos sofreriam desolados, muitos desejariam as suas próprias mortes também...
– Não se incomode com isso. A gente só sofre pelo que existe e o tempo que lhe fez ser algo, também há de lhe fazer ser nada – uma boa memória... no máximo. Tudo há de passar, inclusive a dor deles...
– ...
– Inclusive a sua dor passará! Portanto, se o motivo é essa possível dor que você deixaria, sinto informar, mas isso que cê sente é besteira: um dia você está triste, noutro você está feliz, no outro você estará triste, no seguinte, feliz... é assim para todo mundo.
– Sim, eu sei. É exatamente isso que não me dá vontade de continuar vivo. É como se eu precisasse me sentir mal pelo mesmo motivo de precisar me sentir bem, ou seja, viver.
– Viver é uma contagem regressiva para a morte. Talvez essa competitividade que assola o nosso universo humano seja o embuste ideal da curiosidade para justificar o injustificável: “não devemos morrer porque não viveremos para saber”.
– ... saber o quê?
– Aquilo que não se precisa saber: o fim.
– O fim é igual para todos. Mas, por que não se precisa saber dele?
– Porque no fundo somos assim: ora, pense em como é horrível um afogamento! Já entrou água no seu nariz? Você sabe como é a sensação? O que você faz imediatamente depois de se queimar? Quando você tropeça e machuca o dedo, o que você faz? Temos o instinto de sobreviver... ou seria subviver.
– E quando você precisa pôr fim?
– Há certas decisões nessa vida que não cabe a nós resolver. Mesmo que tentemos, mesmo que argumentemos, há entraves na vida que temos que apenas de engolir e, de uma forma ou de outra, passar e nos reerguer, mesmo pensando ser o fim.
– Não acho que eu seja tão forte assim...
– Se você não fosse, você não teria me falado nada. Não teria incomodado o peito. Relaxa, o tempo já te ensinou a se acalmar e você sabe: a vida só acaba quando ela termina sua missão. Veja o meu caso: sofro, me destruo, mas noutras me reergo e penso nas coisas boas! Reerga-se que você precisa se cuidar mais! Há muito ainda para fazermos juntos, viu, coração!?
– Não sei nem o que lhe dizer... Muito obrigado. De verdade, fígado!


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