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Sim, você, nós dois...

E a tinta se estagnou ali. Borrada, esparramada sobre a tenaz e normativa claridão de uma folha vazia. Aquela tinta de espera e ao mesmo tempo desistência. Há mesmo tanto assim para aprender? Há mesmo tão pouco a se prender?

No pulsar daquela tinta um oceano desembocou, trazendo consigo águas remotas de mares já antes navegados. O papel era transpassado pela tinta, lambuzado e impregnado pela extensão de um inofensivo, mas ainda catastrófico ponto.

Aquela marca não era apenas um simples quadro abstratamente plurissignificante aos autores, ela era o inevitável. Era sangue a tinta. Era um sangue coagulado, explícito, transfundido, doído, difícil. Era sangue que corria da ponta da caneta ultrapassando o papel e manchando as outras folhas do que outrora fora escrito.

E o pobre escritor – coitado – quando se vê ilhado de tinta, ao longe divisa uma luz no reto horizonte daquela obscura branquidão. E a luz lhe dizia: siga-me. Quedando-se assim à entrega. A admissão que já não havia mais motivos de não se desprender do chão, atirando-se impiedosamente à correnteza. Esta o levaria a algum lugar. E este lugar, este nome, este motivo, este desejo era finalmente algo que no fim se alcunhou arte.

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